domingo, 10 de novembro de 2013

XXVIII - Li hoje quase duas páginas

Li hoje quase duas páginas
Do livro dum poeta místico,
E ri como quem tem chorado muito.

Os poetas místicos são filósofos doentes,
E os filósofos são homens doidos.

Porque os poetas místicos dizem que as flores sentem
E dizem que as pedras têm alma
E que os rios têm êxtases ao luar.

Mas as flores, se sentissem, não eram flores,
Eram gente;
E se as pedras tivessem alma, eram coisas vivas, não eram pedras;
E se os rios tivessem êxtases ao luar,
Os rios seriam homens doentes.

É preciso não saber o que são flores e pedras e rios
Para falar dos sentimentos deles.
Falar da alma das pedras, das flores, dos rios,
É falar de si próprio e dos seus falsos pensamentos.
Graças a Deus que as pedras são só pedras,
E que os rios não são senão rios,
E que as flores são apenas flores.

Por mim, escrevo a prosa dos meus versos
E fico contente,
Porque sei que compreendo a Natureza por fora;
E não a compreendo por dentro
Porque a Natureza não tem dentro;
Senão não era a Natureza.

Alberto Caeiro

4 comentários:

  1. Gosto do poema ainda que discorde do tema: todos nós somos natureza e possuímos sensibilidades diversas... e o homem não é um rei na natureza, mas o seu mais destacado inimigo: vive dela e despreza-a. Depois...fala de ecologia para tentar remediar tudo o mais.
    Mas Caeiro era uma farsa de homem moderno... foi como tal que foi imaginado.
    Desculpe o comentário. Não costumo fazê-lo, mas hoje deu-me para isto...

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  2. não serão os homens na sua grande maioria farsas e comédias de si próprios, no seu desprezo pela natureza e o próximo. a solidariedade e o respeito pelo outro não tem sido a nota dominante neste mundo. e daí, deverão ser assacadas responsabilidades à sensibilidade poética? susceptibilidade não se confunde com sensibilidade, na primeira o desprezo abunda. mas gostei do desabafo, e esse é sempre bem-vindo, sem censura...como é óbvio...

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  3. Caeiro é uma delícia de se ler. Olhar ímpar do encontro do homem com a Natureza, de forma fria, sem toda aquela metafísica. Ele fala de misticismo de diversas formas. Este texto está em "Guardados de Rebanhos", não? Abraços!

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