quinta-feira, 1 de maio de 2014

Breviário de Decomposição




«Mas ele é o tagarela do universo; fala em nome dos outros; seu eu ama o plural; o que fala em nome dos outros é um impostor. Políticos, reformadores e todos os que reivindicam um pretexto coletivo são trapaceiros. Só a mentira do artista não é total, pois só inventa a si mesmo. (…) O plural implícito de “se” e o plural confessado do “nós” constituem o refúgio confortável da existência falsa. Só o poeta assume a responsabilidade do “eu”, só ele fala em seu próprio nome, só ele tem o direito de fazê-lo. A poesia se degrada quando torna-se permeável à profecia ou à doutrina: a “missão” sufoca o canto, a ideia entrava o vôo. O lado “generoso” de Shelley torna caduca a maior parte de sua obra: Shakespeare, felizmente, nunca “serviu” para nada. (…)
O triunfo da não-autenticidade tem seu acabamento na atividade filosófica, esta complacência no “se”, e na atividade profética (religiosa, moral ou política), esta apoteose do “nós”. A definição é a mentira do espírito abstrato; a fórmula inspirada, a mentira do espírito militante: uma definição encontra-se sempre na origem de um templo; uma fórmula reúne inelutavelmente os fiéis. Assim começam todos os ensinamentos.
Como não se voltar então para a poesia? Ela tem – como a vida – a desculpa de não provar nada.» 

Emil Cioran

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