por
zilio
(excerto)
(…)
A vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger,
A dar
vontade de dar gritos, de dar pulos, de ficar no chão, de sair
Para
fora de todas as casas, de todas as lógicas e de todas as sacadas,
E
ir ser selvagem para a morte entre árvores e esquecimentos,
Entre
tombos, e perigos e ausência de amanhãs,
E tudo isto devia ser
qualquer outra coisa mais parecida com o que eu penso,
Com o que
eu penso ou sinto, que eu nem sei qual é, ó vida.
(...)
Correram o bobo a chicote do palácio, sem razão,
Fizeram o
mendigo levantar-se do degrau onde caíra.
Bateram na criança
abandonada e tiraram-lhe o pão das mãos.
Oh mágoa imensa do
mundo, o que falta é agir...
Tão decadente, tão decadente, tão
decadente...
(…)
Amei e odiei como toda gente,
Mas para toda a gente isso foi
normal e instintivo,
E para mim foi sempre a excepção, o choque,
a válvula, o espasmo.
(...)
A direcção constantemente abandonada do nosso destino,
A nossa
incerteza pagã sem alegria,
A nossa fraqueza cristã sem fé,
O
nosso budismo inerte, sem amor pelas coisas nem êxtases,
A nossa
febre, a nossa palidez, a nossa impaciência de fracos,
A nossa
vida, ó mãe, a nossa perdida vida...
(…)
A situação de passageiro,
A conveniência em embarcar já para
ter lugar,
E falta sempre uma coisa, um copo, uma brisa, uma
frase,
E a vida dói quanto mais se goza e quanto mais se
inventa.
Poder rir, rir, rir despejadamente,
Rir como um
copo entornado,
Absolutamente doido só por sentir,
(…)
Ser sincero contradizendo-se a cada minuto,
Desagradar a si-próprio pela plena liberdade de espírito,
E amar as coisas
como Deus.
(…)
Que era capaz de ir viver na Sibéria só por embirrar com isso,
E
que acho que não faz mal não ligar importância à pátria
Porque
não tenho raiz, como uma árvore, e portanto não tenho raiz
Eu,
que tantas vezes me sinto tão real como uma metáfora,
(…)
Fui educado pela Imaginação,
Viajei pela mão dela sempre,
Amei,
odiei, falei, pensei sempre por isso,
E todos os dias têm essa
janela por diante,
E todas as horas parecem minhas dessa maneira.
(…)
Todas as madrugadas são a madrugada e a vida.
Todas as auroras
raiam no mesmo lugar:
Infinito...
(…)
Choca de encontro a todos os sonhos e parte-os,
Chamusca todos os
ideais humanitários e úteis,
Atropela todos os sentimentos
normais, decentes, concordantes,
Colhe no giro do teu volante
vertiginoso e pesado
Os corpos de todas as filosofias, os tropos
de todos os poemas,
Esfrangalha-os e fica só tu, volante abstrato
nos ares,
Senhor supremo da hora europeia, metálico cio.
Vamos,
que a cavalgada não tenha fim nem em Deus!
(...)
Álvaro de Campos