segunda-feira, 23 de dezembro de 2013
Desejos Vãos
Eu queria ser o Mar de altivo porte
Que ri e canta, a vastidão imensa!
Eu queria ser a Pedra que não pensa,
A pedra do caminho, rude e forte!
Eu queria ser o Sol, a luz imensa,
O bem do que é humilde e não tem sorte!
Eu queria ser a árvore tosca e densa
Que ri do mundo vão e até a morte!
Mas o Mar também chora de tristeza ...
As árvores também, como quem reza,
Abrem, aos Céus, os braços, como um crente!
E o Sol altivo e forte, ao fim de um dia,
Tem lágrimas de sangue na agonia!
E as Pedras ... essas ... pisa-as toda a gente! ...
Florbela Espanca
Pusemos tanto azul nessa distância
ancorada em incerta claridade
e ficamos nas paredes do vento
a escorrer para tudo o que ele invade.
Pusemos tantas flores nas horas breves
que secam folhas nas árvores dos dedos.
E ficámos cingidos nas estátuas
a morder-nos na carne dum segredo.
Natália Correia
não deixes que construam um muro de palavras dentro de ti
Rob Gonsalves
não deixes que construam um muro de palavras dentro de ti,
porque é no seu silêncio que as tílias perfumam a paixão.
não tenho gatos, nem garras, nem sangue ressequido
com húmus por dentro para te e nos perdoar.
amar é exigir da vida uma existência real,
aperta ao peito tudo o que puderes das noites - só tuas,
e deixa na boca húmida os murmúrios mais secretos.
morde no destino como um profeta nas pedras...
oh! coragem e desejos exangue dos audazes,
há mais sonhos, verdadeiramente honestos e reais,
na brancura dos lençóis que a memória das ciências [desconhecem,
há teoremas que mais não servem de dobradiças enferrujadas
nas portas da existência - nada te dirão que não reconheças,
esperar demais da engenharia ou é estupidez ou infelicidade.
Antígona outrora púrpura de um dia do século vinte e um,
se regressasses, será que regressarias!?
deixe-se orações a uma deusa desconhecida...
sem ti o ódio entre os homens farão deles escravos,
que será do mundo sem os guerreiros da consciência verdadeira?
miguel luaz
sexta-feira, 20 de dezembro de 2013
Uma Direcção, e Não Soluções
"A diferença entre solução e direcção é esta: a solução é sempre um remédio passageiro para disfarçar a desgraça. Ao passo que a direcção é a própria dignidade posta nas mãos do desgraçado para que deixe de o ser, e a direcção única é a garantia perpétua dessa dignidade. E foi o que fez Goethe: Descobriu a direcção única. Artista, na verdadeira acepção da palavra; Artista é aquele que precede a própria ciência. Por isso Goethe afastou-se de quantas realidades irrealizáveis onde costumam habitar instaladas as gentes."
Almada Negreiros
sábado, 14 de dezembro de 2013
Enquanto eu vir o sol luzir nas folhas
Enquanto eu vir o sol luzir nas folhas
E sentir toda a brisa nos cabelos
Não quererei mais nada.
Que me pode o Destino conceder
Melhor que o lapso sensual da vida
Entre ignorâncias destas?
Sábio deveras o que não procura,
Que, procurando, achara o abismo em tudo
E a dúvida em si mesmo.
Pomos a dúvida onde há rosas. Damos
Quase tudo do sentido a entendê-lo
E ignoramos, pensantes.
Estranha a nós a natureza extensa
Campos ondula, flores abre, frutos
Cora, e a morte chega.
Terei razão, se a alguém razão é dada,
Quando me a morte conturbar a mente
E já não veja mais
Que à razão de saber porque vivemos
Nós nem a achamos nem achar se deve,
Impropícia e profunda.
Ricardo Reis
A mão invisível do vento roça por cima das ervas. [ À la manière de A. Caeiro ]
A mão invisível do vento roça por cima das ervas.
Quando se solta, saltam nos intervalos do verde
Papoilas rubras, amarelos malmequeres juntos,
E outras pequenas flores azúis que se não vêem logo.
Não tenho quem ame, ou vida que queira, ou morte que roube.
Por mim, como pelas ervas um vento que só as dobra
Para as deixar voltar àquilo que foram, passa.
Também por mim um desejo inutilmente bafeja
As hastes das intenções, as flores do que imagino,
E tudo volta ao que era sem nada que acontecesse.
Ricardo Reis
sexta-feira, 13 de dezembro de 2013
A clareza falsa, rígida, não-lar dos hospitais
toshiko-okanoue
A alegria humana, vivaz, sobre o caso da vizinha
Da mãe inconsolável a que o filho morreu há um ano
Trapos somos, trapos amamos, trapos agimos — Que trapo tudo que é este mundo!
Álvaro de Campos
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