sexta-feira, 27 de dezembro de 2013
Mulher
Rob Gonsalves
II
Ó Mulher! Como é fraca e como és forte!
Como sabes ser doce e desgraçada!
Como sabes fingir quando em teu peito
A tua alma se estorce amargurada!
Quantas morrem saudosas duma image
Adorada que amaram doidamente!
Quantas e quantas almas endoidecem
Enquanto a boca ri alegremente!
Quanta paixão e amor às vezes têm
Sem nunca o confessarem a ninguém
Doces almas de dor e sofrimento!
Paixão que faria a felicidade
Dum rei; amor de sonho e de saudade,
Que se esvai e que foge num lamento!
Florbela Espanca
Eu...
Rob Gonsalves
Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada ... a dolorida ...
Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...
Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...
Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!
Florbela Espanca
Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada ... a dolorida ...
Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...
Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...
Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!
Florbela Espanca
segunda-feira, 23 de dezembro de 2013
Desejos Vãos
Eu queria ser o Mar de altivo porte
Que ri e canta, a vastidão imensa!
Eu queria ser a Pedra que não pensa,
A pedra do caminho, rude e forte!
Eu queria ser o Sol, a luz imensa,
O bem do que é humilde e não tem sorte!
Eu queria ser a árvore tosca e densa
Que ri do mundo vão e até a morte!
Mas o Mar também chora de tristeza ...
As árvores também, como quem reza,
Abrem, aos Céus, os braços, como um crente!
E o Sol altivo e forte, ao fim de um dia,
Tem lágrimas de sangue na agonia!
E as Pedras ... essas ... pisa-as toda a gente! ...
Florbela Espanca
Pusemos tanto azul nessa distância
ancorada em incerta claridade
e ficamos nas paredes do vento
a escorrer para tudo o que ele invade.
Pusemos tantas flores nas horas breves
que secam folhas nas árvores dos dedos.
E ficámos cingidos nas estátuas
a morder-nos na carne dum segredo.
Natália Correia
não deixes que construam um muro de palavras dentro de ti
Rob Gonsalves
não deixes que construam um muro de palavras dentro de ti,
porque é no seu silêncio que as tílias perfumam a paixão.
não tenho gatos, nem garras, nem sangue ressequido
com húmus por dentro para te e nos perdoar.
amar é exigir da vida uma existência real,
aperta ao peito tudo o que puderes das noites - só tuas,
e deixa na boca húmida os murmúrios mais secretos.
morde no destino como um profeta nas pedras...
oh! coragem e desejos exangue dos audazes,
há mais sonhos, verdadeiramente honestos e reais,
na brancura dos lençóis que a memória das ciências [desconhecem,
há teoremas que mais não servem de dobradiças enferrujadas
nas portas da existência - nada te dirão que não reconheças,
esperar demais da engenharia ou é estupidez ou infelicidade.
Antígona outrora púrpura de um dia do século vinte e um,
se regressasses, será que regressarias!?
deixe-se orações a uma deusa desconhecida...
sem ti o ódio entre os homens farão deles escravos,
que será do mundo sem os guerreiros da consciência verdadeira?
miguel luaz
sexta-feira, 20 de dezembro de 2013
Uma Direcção, e Não Soluções
"A diferença entre solução e direcção é esta: a solução é sempre um remédio passageiro para disfarçar a desgraça. Ao passo que a direcção é a própria dignidade posta nas mãos do desgraçado para que deixe de o ser, e a direcção única é a garantia perpétua dessa dignidade. E foi o que fez Goethe: Descobriu a direcção única. Artista, na verdadeira acepção da palavra; Artista é aquele que precede a própria ciência. Por isso Goethe afastou-se de quantas realidades irrealizáveis onde costumam habitar instaladas as gentes."
Almada Negreiros
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