quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

É o louco que existe em nós quem nos obriga à aventura

                                 PARKEHARRISON, ROBERT AND SHANA
“É o louco que existe em nós quem nos obriga à aventura. Se nos abandona, estamos perdidos: tudo depende dele, inclusive nossa vida vegetativa; é ele quem nos convida a respirar, quem nos obriga a tal, e é também ele quem empurra o sangue por nossas veias. Se ele se retirasse, ficaríamos sós! Não se pode ser normal e vivo ao mesmo tempo.”
Emil Cioran

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

EM SILÊNCIO DESCOBRI ESSA CIDADE NO MAPA


                             PARKEHARRISON, ROBERT AND SHANA, ano de 1968/64  

Em silêncio descobri essa cidade no mapa
a toda a velocidade: gota
sombria. Descobri as poeiras que batiam
como peixes no sangue.
A toda a velocidade, em silêncio, no mapa -
como se descobre uma letra
de outra cor no meio das folhas,
estremecendo nos olmos, em silêncio. Gota
sombria num girassol. -
essa letra, essa cidade em silêncio,
batendo como sangue.
Era a minha cidade ao norte do mapa,
numa velocidade chamada
mundo sombrio. Seus peixes estremeciam
como letras no alto das folhas,
poeiras de outra cor: girassol que se descobre
como uma gota no mundo.
Descobri essa cidade, aplainando tábuas
lentas como rosas vigiadas
pelas letras dos espinhos. Era em silêncio
como uma gota
de seiva lenta numa tábua aplainada.
Descobri que tinha asas como uma pêra
que desce. E a essa velocidade
voava para mim aquela cidade do mapa.
Eu batia como os peixes batendo
dentro do sangue - peixes
em silêncio, cheios de folhas. Eu escrevia,
aplainando na tábua
todo o meu silêncio. E a seiva
sombria vinha escorrendo do mapa
desse girassol, no mapa
do mundo. Na sombra do sangue, estremecendo
como as letras nas folhas
de outra cor.

Cidade que aperto, batendo as asas - ela -
no ar do mapa. E que aperto
contra quanto, estremecendo em mim com folhas,
escrevo no mundo.
Que aperto com o amor sombrio contra
mim: peixes de grande velocidade,
letra monumental descoberta entre poeiras.
E que eu amo lentamente até ao fim
da tábua por onde escorre
em silêncio aplainado noutra cor:
como uma pêra voando,
um girassol do mundo.

Herberto Helder

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

ANTOLOGIA DRUMMONDIANA

A vida – sabemos – vai mal
A morte – coitada – nada tem a oferecer-nos de novo
Por isso
         faz um poema josé
         faz um poema suzana
         faz um poema tomé
         faz um poema ana
         faz um

José Vicente Lopes

Marguerite Duras


"Caminhais em direcção da solidão. Eu, não, eu tenho os livros."

Marguerite Duras

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Poema do Mar

                                                René Magritte
O drama do Mar,
O desassossego do Mar,
           sempre
           sempre
           dentro de nós!

O Mar!
cercando
prendendo as nossas Ilhas,
desgastando as rochas das nossas Ilhas!
Deixando o esmalte do seu salitre nas faces dos pescadores,
roncando nas areias das nossas praias,
batendo a sua voz de encontro aos montes,
baloiçando os barquinhos de pau que vão por estas costas...

O Mar!
pondo rezas nos lábios,
deixando nos olhos dos que ficaram
a nostalgia resignada de países distantes
que chegam até nós nas estampas das ilustrações
nas fitas de cinema
e nesse ar de outros climas que trazem os passageiros
quando desembarcam para ver a pobreza da terra!

O Mar!
a esperança na carta de longe
que talvez não chegue mais!...

O Mar!
saudades dos velhos marinheiros contando histórias de tempos passados,
histórias da baleia que uma vez virou a canoa...
de bebedeiras, de rixas, de mulheres, nos portos estrangeiros...

O Mar! dentro de nós todos,
no canto da Morna,
no corpo das raparigas morenas,
nas coxas ágeis das pretas,
no desejo da viagem que fica em sonhos de muita gente!

           Este convite de toda a hora
           que o Mar nos faz para a evasão!
           Este desespero de querer partir
           e ter que ficar!


Jorge Barbosa

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Foo Fighters - The Pretender


RUBRICA OLHARES



Nós dizemos revolução - Por Beatriz Preciado


Parece que os gurus da velha Europa se obstinam ultimamente a querer explicar aos ativistas dos movimentos Occupy, Indignados, handi-trans-gays-lésbicas-intersex e postporn que não poderemos fazer a revolução porque não temos uma ideologia. Eles dizem “uma ideologia” como minha mãe dizia “um marido”. Pois bem, não precisamos nem de ideologia nem de marido. As novas feministas, não precisamos de marido porque não somos mulheres. Assim como não precisamos de ideologia porque não somos um povo. Nem comunismo nem liberalismo. Nem o refrão católico-muçulmuno-judeu. Falamos uma outra linguagem. Eles dizem representação. Nós dizemos experimentação. Eles dizem identidade. Nós dizemos multidão. Eles dizem controlar a periferia. Nós dizemos mestiçar a cidade. Eles dizem dívida. Nós dizemos cooperação sexual e interdependência somática. Eles dizem capital humano. Nós dizemos aliança multi-espécies. Eles dizem carne de cavalo nos nossos pratos. Nós dizemos montemos nos cavalos para fugir juntos do batedouro global. Eles dizem poder. Nós dizemos potência. Eles dizem integração. Nós dizemos código aberto. Eles dizem homem-mulher, Branco-Negro, humano-animal, homossexual-heterossexual, Israel-Palestina. Nós dizemos você sabe que teu aparelho de produção de verdade já não funciona mais… Quanto de Galileu precisaremos desta vez para re-aprender a nomear as coisas, nós mesmos? Eles nos fazem a guerra econômica a golpe de facão digital neo-liberal. Mas nós não choraremos a morte do Estado-providência, porque o Estado-providência era também o hospital psiquiátrico, o centro de inserção das pessoas com deficiência, a prisão, a escola patriarcal-colonial-heterocentrada. Está na hora de pôr Foucault na dieta handi-queer e de escrever a morte da Clínica. Está na hora de convidar Marx para um ateliê eco-sexual. Não vamos adotar o estado disciplinar contra o mercado neoliberal. Esses dois já travaram um acordo: na nova Europa, o mercado é a única razão governamental, o Estado se tornou o braço punitivo cuja única função será aquela de re-criar a ficção da identidade nacional por meio do medo securitário. Nós não desejamos nos definir como trabalhadores cognitivos nem como consumidores farmacopornográficos. Nós não somos Facebook, nem Shell, nem Nestlé, nem Pfizer-Wyeth. Não desejamos produzir francês, e tampouco europeu. Não desejamos produzir. Nós somos a rede viva descentralizada. Nós recusamos uma cidadania definida por nossa força de produção ou nossa força de reprodução. Nós queremos uma cidadania total definida pelo compartilhamento das técnicas, dos fluidos, das sementes, da água, dos saberes… Eles dizem que a guerra limpa se fará com drones. Nós queremos fazer amor com os drones. Nossa insurreição é a paz, o afeto total. Eles dizem crise, nós dizemos revolução.

O amor lança fora o medo

Photo: Toshiko Okanoue "O amor lança fora o medo; mas, inversamente, o medo lança fora o amor. E não só o amor. O medo também expulsa a...