Viajar?
Para viajar basta existir. Vou de dia para dia, como de estação
para estação, no comboio do meu corpo, ou do meu destino, debruçado
sobre as ruas e as praças, sobre os gestos e os rostos, sempre
iguais e sempre diferentes, como, afinal, as paisagens são.
Se imagino, vejo. Que mais faço eu se viajo? Só a fraqueza
extrema da imaginação justifica que se tenha que deslocar para
sentir.
«Qualquer estrada, esta mesma estrada de Entepfuhl, te levará
até ao fim do mundo.» Mas o fim do mundo, desde que o mundo se
consumou dando-lhe a volta, é o mesmo Entepfuhl de onde se partiu.
Na realidade, o fim do mundo, como o princípio, é o nosso conceito
do mundo. É em nós que as paisagens têm paisagem. Por isso, se as
imagino, as crio; se as crio, são; se são, vejo-as como às outras.
Para quê viajar? Em Madrid, em Berlim, na Pérsia, na China, nos
Pólos ambos, onde estaria eu senão em mim mesmo, e no tipo e género
das minhas sensações?
A vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes. O que
vemos, não é o que vemos, senão o que somos.
Bernardo Soares in Livro do Desassossego
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