«Mas
ele é o tagarela do universo; fala em nome dos outros; seu eu ama o
plural; o que fala em nome dos outros é um impostor. Políticos,
reformadores e todos os que reivindicam um pretexto coletivo são
trapaceiros. Só a mentira do artista não é total, pois só inventa
a si mesmo. (…) O plural implícito de “se” e o plural
confessado do “nós” constituem o refúgio confortável da
existência falsa. Só o poeta assume a responsabilidade do “eu”,
só ele fala em seu próprio nome, só ele tem o direito de fazê-lo.
A poesia se degrada quando torna-se permeável à profecia ou à
doutrina: a “missão” sufoca o canto, a ideia entrava o vôo. O
lado “generoso” de Shelley torna caduca a maior parte de sua
obra: Shakespeare, felizmente, nunca “serviu” para nada. (…)
O
triunfo da não-autenticidade tem seu acabamento na atividade
filosófica, esta complacência no “se”, e na atividade profética
(religiosa, moral ou política), esta apoteose do “nós”. A
definição é a mentira do espírito abstrato; a fórmula
inspirada, a mentira do espírito militante: uma definição
encontra-se sempre na origem de um templo; uma fórmula reúne
inelutavelmente os fiéis. Assim começam todos os ensinamentos.
Como
não se voltar então para a poesia? Ela tem – como a vida – a
desculpa de não provar
nada.»
Emil Cioran