segunda-feira, 16 de maio de 2016
quinta-feira, 5 de maio de 2016
O mundo está dividido entre os que cagam bem e os que cagam mal.
Flor Garduño
"Florentino
Ariza se lembrou de uma frase que ouvira menino do médico da família, seu
padrinho, a propósito da sua prisão de ventre crônica: "O mundo está
dividido entre os que cagam bem e os que cagam mal." Sobre esse dogma o
médico elaborara toda uma teoria do caráter, que considerava mais certeira do
que a astrologia. Mas com as lições dos anos, Florentino Ariza a formulou de
outro modo: "O mundo está dividido entre os que trepam e os que não
trepam." Desconfiava dos últimos: quando saíam dos trilhos, era para eles
tão insólito que alardeavam o amor como se tivessem acabado de inventá-lo. Os
que o faziam amiúde, em compensação, viviam só para isso. Sentiam-se tão bem
que se comportavam como sepulcros lacrados, por saberem que da discrição
dependia sua vida. Nunca falavam de suas proezas, não confiavam em ninguém,
bancavam os distraídos até o ponto de ganharem fama de impotentes, de frígidos,
e sobretudo de maricas tímidos, como era o caso de Florentino Ariza. Mas se
compraziam no equívoco, porque o equívoco também os protegia. Eram uma loja
maçônica hermética, cujos sócios se reconheciam entre si no mundo inteiro, sem
necessidade de um idioma em comum. Daí o fato de Florentino Ariza não se
surpreender com a resposta da moça: era um dos seus, e portanto sabia que ele
sabia que ela sabia."
Trecho
de “O amor em tempos de cólera” – Gabriel Garcia Marquez
terça-feira, 3 de maio de 2016
quarta-feira, 6 de abril de 2016
SOB O SOL
Hugues de Wurstemberger
Sob o sol em meu leito após a água -
Sob o sol e sob o reflexo enorme do sol sobre o mar,
Sob a janela,
Sob os reflexos e os reflexos dos reflexos
Do sol e dos sóis sobre o mar
Nos vidros,
Após o banho, o café, as ideias,
Nu sob o sol em meu leito todo iluminado
Nu - só - louco -
Eu!
Paul Valéry
Sob o sol em meu leito após a água -
Sob o sol e sob o reflexo enorme do sol sobre o mar,
Sob a janela,
Sob os reflexos e os reflexos dos reflexos
Do sol e dos sóis sobre o mar
Nos vidros,
Após o banho, o café, as ideias,
Nu sob o sol em meu leito todo iluminado
Nu - só - louco -
Eu!
Paul Valéry
quarta-feira, 16 de março de 2016
À une raison
Allen Birnbach
Un coup de
ton doigt sur le tambour décharge tous les sons et commence la
nouvelle harmonie.
Un pas de toi c’est la levée de nouveaux hommes et leur
en-marche.
Ta tête se détourne: le nouvel amour! Ta tête se retourne, –
le nouvel amour!
Arthur
Rimbaud, Illuminations e Une saison en enfer.
«Um toque do teu dedo no tambor dispara todos os sons e
começa a
nova harmonia.
Um passo teu é a sublevação dos novos homens e a sua arrancada.
Viras a cabeça: o novo amor! Voltas a cabeça, – o novo
amor!»
terça-feira, 1 de março de 2016
Princípio do dia
Robert & Shana ParkeHarrison
Rompe-me o sono um latir de cães
na madrugada. Acordo na antemanhã
de gritos desconexos e sacudo
de mim os restos da noite
e a cinza dos cigarros fumados
na véspera.
Digo adeus à noite sem saudade,
digo bom-dia ao novo dia.
Na mesa o retrato ganha contorno,
digo-lhe bom-dia
e sei que intimamente ele responde.
Saio para a rua
e vou dizendo bom-dia em surdina
às coisas e pessoas por que passo.
No escritório digo bom-dia.
Dizem-me bom-dia como quem fecha
uma janela sobre o nevoeiro,
palavras ditas com a epiderme,
som dissonante, opaco, pesado muro
entre o sentir e o falar.
E bom dia já não é mais a ponte
que eu experimentei levantar.
Calado,
sento-me à secretária, soturno, desencantado.
(Amanhã volto a experimentar).
Rui Knopfli
segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016
Cântico negro
Robert & Shana ParkeHarrison
Rui Knopfli
Cago na juventude e na
contestação
e também me cago em Jean-Luc
Godard.
Minha alma é um gabinete
secreto
e murado à prova de som
e de Mao-Tsé-Tung. Pelas
paredes
nem uma só gravura de
Lichtenstein
ou Warhol. Nas prateleiras
entre livros bafientos e
descoloridos
não encontrareis decerto os
nomes
de Marcuse e Cohn-Bendit.
Nebulosos
volumes de qualquer filósofo
maldito, vários poetas
graves
e solenes, recrutados entre
chineses
do período T’ang,
isabelinos,
arcaicos, renascentistas,
protonotários
- esses abundam. De pop
apenas
o saltar da rolha na garrafa
de verdasco. Porque eu
teimo,
recuso e não alinho. Sou só.
Não parcialmente, mas
rigorosamente
só, anomalia desértica em plena
leiva.
Não entro na forma, não
acerto o passo,
não submeto a dureza agreste
do que escrevo
ao sabor da maioria. Prefiro
as minorias.
De alguns. De poucos. De um
só se necessário
for. Tenho a esperança
porém; um dia
compreendereis o significado
profundo da minha
originalidade: I am really the UndergroundRui Knopfli
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