terça-feira, 22 de outubro de 2013

A UM PLAGIÁRIO

Copiaste? Fizeste bem.
Copia mais, sem canseira.
Copia, pilha, retém.
É a única maneira
De não escreveres asneira.

Joaquim Moura Costa

domingo, 13 de outubro de 2013

Estou cansado, é claro,

Estou cansado, é claro,
Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado.
De que estou cansado, não sei:
De nada me serviria sabê-lo,
Pois o cansaço fica na mesma.
A ferida dói como dói
E não em função da causa que a produziu.
Sim, estou cansado,
E um pouco sorridente
De o cansaço ser só isto —
Uma vontade de sono no corpo,
Um desejo de não pensar na alma,
E por cima de tudo uma transparência lúcida
Do entendimento retrospectivo...
E a luxúria única de não ter já esperanças?
Sou inteligente: eis tudo.
Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto,
E há um certo prazer até no cansaço que isto me dá,
Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa.

Álvaro de Campos

Ora porra!

Ora porra!
Então a imprensa portuguesa é
que é a imprensa portuguesa?
Então é esta merda que temos
que beber com os olhos?
Filhos da puta! Não, que nem
há puta que os parisse.

Álvaro de Campos

sábado, 5 de outubro de 2013

Não tenho pressa: não a têm o sol e a lua.


                                    La robe du soir: rené magritte

Não tenho pressa: não a têm o sol e a lua.
Ninguém anda mais depressa do que as pernas que tem.
Se onde quero estar é longe, não estou lá num momento.
Sim: existo dentro do meu corpo.
Não trago o sol nem a lua na algibeira.
Não quero conquistar mundos porque dormi mal,
Nem almoçar o mundo por causa do estômago.
Indiferente?
Não: filho da terra, que se der um salto, está em falso,
Um momento no ar que não é para nós,
E só contente quando os pés lhe batem outra vez na terra,
Traz! na realidade que não falta!
Não tenho pressa. Pressa de quê?
Não têm pressa o sol e a lua: estão certos.
Ter pressa é crer que a gente passe adiante das pernas,
Ou que, dando um pulo, salte por cima da sombra.
Não; não tenho pressa.
Se estendo o braço, chego exactamente aonde o meu braço chega -
Nem um centímetro mais longe.
Toco só aonde toco, não aonde penso.
Só me posso sentar aonde estou.
E isto faz rir como todas as verdades absolutamente verdadeiras,
Mas o que faz rir a valer é que nós pensamos sempre noutra coisa,
E somos vadios do nosso corpo.
E estamos sempre fora dele porque estamos aqui.

Alberto Caeiro

PERSONAL NOTES

             william-shakespeare
 
I have outgrown the habit of reading. I no longer read anything except occasional newspapers, light literature and casual books technical to any matter I may be studying and in which simple reasoning may be insufficient.
The definite type of literature I have almost dropped. I could read it for learning or for pleasure. But I have nothing to learn, and the pleasure to be drawn from books is of a type that can with profit be substituted by that which the contact with nature and the observation of life can directly give me.
I am now in full possession of the fundamental laws of literary art. Shakespeare can no longer teach me to be subtle, nor Milton to be complete. My intellect has attained a pliancy and a reach that enable me to assume any emotion I desire and enter at will into any state of mind. For that which it is ever an effort and an anguish to strive for, completeness, no book at all can be an aid.
This does not mean that I have shaken off the tyranny of the literary art. I have but assumed it only under submission to myself.
I have one book ever by me — Pickwick Papers. I have read Mr. W. W. Jacobs' books several times over. The decay of the detective story has closed for ever one door I had into modern writing.
I have ceased to be interested in merely clever people — Wells, Chesterton, Shaw. The ideas these people have are such as occur to many non-writers; the construction of their works is wholly a negative quantity.
There was a time when l read only for the use of reading. I now have understood that there are very few useful books, even in such technical matters as I can be interested in.
Sociology is wholesale [ . . . ]; who can stand this scholasticism in the Byzantium of today?
All my books are books of reference. I read Shakespeare only in relation to the «Shakespeare Problem»: the rest I know already.
I have found out that reading is a slavish sort of dreaming. If I must dream, why not my own dreams?
 [...]

Fernando Pessoa

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Passei toda a noite, sem dormir, vendo, sem espaço, a figura dela,



Passei toda a noite, sem dormir, vendo, sem espaço, a figura dela,
E vendo-a sempre de maneiras diferentes do que a encontro a ela.
Faço pensamentos com a recordação do que ela é quando me fala,
E em cada pensamento ela varia de acordo com a sua semelhança.
Amar é pensar.
E eu quase que me esqueço de sentir só de pensar nela.
Não sei bem o que quero, mesmo dela, e eu não penso senão nela.
Tenho uma grande distracção animada.
Quando desejo encontrá-la
Quase que prefiro não a encontrar,
Para não ter que a deixar depois.
Não sei bem o que quero, nem quero saber o que quero. Quero só
Pensar nela.
Não peço nada a ninguém, nem a ela, senão pensar.

Alberto Caeiro

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

XL - Passa uma borboleta por diante de mim




Passa uma borboleta por diante de mim
E pela primeira vez no Universo eu reparo
Que as borboletas não têm cor nem movimento,
Assim como as flores não têm perfume nem cor.
A cor é que tem cor nas asas da borboleta,
No movimento da borboleta o movimento é que se move.
O perfume é que tem perfume no perfume da flor.
A borboleta é apenas borboleta
E a flor é apenas flor.

Alberto Caeiro

O amor lança fora o medo

Photo: Toshiko Okanoue "O amor lança fora o medo; mas, inversamente, o medo lança fora o amor. E não só o amor. O medo também expulsa a...