terça-feira, 18 de agosto de 2015

A História

Nikola Vaptzarov (1909-1942) Bulgária

Nasceu em 1909 em Bonsko (Bulgária). A sua profissão de mecânico permitiu-lhe o contacto com as miseráveis condições de trabalho nas fábricas.Filiou-se no Partido Comunista em 1934 e foi um activo resistente antifascista. Foi preso em Março de 1942. Em 23 de Julho de 1942 foi condenado à morte e abatido na mesma noite, juntamente com 11 outros homens, por um pelotão de fuzilamento alemão. Apesar de nunca ter publicado nenhum livro em vida, é considerado um dos mais importantes poetas búlgaros.
A 3 de Dezembro de 1953, recebeu postumamente o Prémio Internacional da Paz. Uma selecção da sua poesia foi publicada em livro, em 1954, em Londres e a sua poesia já foi traduzida para 98 línguas.



A nós que oferecerás, História,
nas tuas páginas amarelecidas?
Éramos todos gente anónima,
homens de fábricas e escritórios.

Éramos camponeses! Cheirávamos
ao fedor da cebola, do suor.
Sob os nossos bigodes caídos
praguejávamos contra a vida.

Será ao menos reconhecido
que te saciámos de factos
embebidos com abundância
no sangue de milhares de mortos?

Traçarás certamente os contornos
e a substância será excluída.
Ninguém irá decerto descrever
o nosso pobre drama humano.

Os poetas estarão ocupados
a compor rimas de propaganda,
mas a nossa angústia não escrita
vagueará, solitária, no espaço.

Terá sido uma vida a relatar
a nossa? Uma vida a evocar?
Ao pesquisá-la solta-se bolor;
liberta-se venenosa exalação.

Nascíamos algures, pelos campos,
em abrigos de acaso nos silvados;
as nossas mães torciam-se com dores
mordendo os lábios ressequidos.

No Outono morríamos como moscas,
as mulheres, no Dia dos Mortos,
gritavam, mudavam o seu lamento
em cântico só escutado pelos tojos.

Os que entre nós sobreviveram
dobraram a espinha sob o jugo.
Como pobres animais de carga
trabalhámos não importa em quê.

Em casa, os velhos afirmavam:
"Assim foi, assim é e será!"
Furiosos, nós cuspíamos
sobre tão estúpida certeza.

Raivosos, saíamos da mesa,
saíamos correndo, fora, onde
uma esperança nos aflorava
como um hálito luminoso.

Esperávamos, cheios de angústia
no ar sufocante das tavernas!
Íamos para a cama alta noite
depois dos últimos noticiários.

Como as esperanças iludiam!
Pesava-nos um céu de chumbo
e um vento de fogo assobiava:
"Basta, não quero, não aguento!"

Nos teus volumes espessos,
entre as linhas, sob as linhas,
o nosso sofrimento uivará
e manterá o rosto hostil.

Sobre nós, implacavelmente,
a vida abateu pesado punho,
violento, na boca esfomeada...
Por isso a língua é-nos áspera.

Os versos que escrevíamos então
pela noite, em troca de sono,
da rosa não liberam o perfume,
descarnados, secos, agressivos.

Não esperamos prémio dos tormentos.
Até aos pesados in-fólios
que os séculos vão acumulando
as nossas dores nunca chegarão.

Mas ao menos, com palavras simples
revela às multidões do amanhã
destinadas a substituir-nos
que lutámos valorosamente.


               (tradução de  Egipto Gonçalves)


quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Mariana Pineda




O famoso poeta espanhol Federico García Lorca recita o seu último poema, mesmo antes da sua execução, durante a guerra civil de Espanha em Agosto de 1936, por um pelotão de fuzilamento fascista.

“Mariana,
Que é o homem sem liberdade?
Sem essa luz harmoniosa e fixa que se sente por dentro?
Como poderia te querer não sendo livre, diz-me?
Como te dar este firme coração se não é meu? Não temas;
Como te dar este firme coração, se não é meu?”


Mariana Pineda foi escrita em 1925. Ela e Federico viveram em épocas onde se produziam grandes mudanças. Ambos amaram Granada e nela viveram, onde acabaram por morrer, inocentes e executados pela ditadura de franco.

Ainda não


Ainda não
não há dinheiro para partir de vez
não há espaço de mais para ficar
ainda não se pode abrir uma veia
e morrer antes de alguém chegar

ainda não há uma flor na boca
para os poetas que estão aqui de passagem
e outra escarlate na alma
para os postos à margem
.
ainda não há nada no pulmão direito
ainda não se respira como devia ser
ainda não é por isso que choramos às vezes
e que outras somos heróis a valer

ainda não é a pátria que é uma maçada
nem estar deste lado que custa a cabeça
ainda não há uma escada e outra escada depois
para descer à frente de quem quer que desça
.
ainda não há camas só para pesadelos
ainda não se ama só no chão
ainda não há uma granada
ainda não há um coração


António José Forte

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Dai-nos, meu Deus, um pequeno absurdo quotidiano que seja


                              white crow by marurenai

Dai-nos, meu Deus, um pequeno absurdo quotidiano que seja,
que o absurdo, mesmo em curtas doses,
defende da melancolia e nós somos tão propensos a ela!
Se é verdade o aforismo faca afia faca
(não sabemos falar senão figuradamente
sinal de que somos pouco capazes de abstracção).
Se faca afia faca,
então que a faca do absurdo
venha afiar a faca da nossa embotada vontade,
venha instalar-se sobre a lâmina do inesperado
e o dia a dia será nosso e diferente.
Aflições? Teremos muitas não haja dúvida.
Mas tudo será melhor que este dia a dia.
Os povos felizes não têm história, diz outro aforismo.
Mas nós não queremos ser um povo feliz.
Para isso bastam os suíços, os suecos, que sei eu?
Bom proveito lhes faça!
Nós queremos a maleita do suíno,
a noiva que vê fugir o noivo,
a mulher que vê fugir o marido,
o órfão que é entregue à caridade pública,
o doente de hospital ainda mais miserável que o hospital
onde está a tremer, a um canto, e ainda ninguém lhe ligou
nenhuma. Nós queremos ser o aleijado nas ruas, a pedir esmola, a
a bardalhar-se frente aos nossos olhos. Queremos ser o pai
desempregado que não sabe que Natal Dai-nos, meu Deus…
há-de dar aos seus.
Garanti-nos, meu Deus, um pequeno absurdo cada dia.
Um pequeno absurdo às vezes chega para salvar.


Alexandre O’Neill

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Conselho de um velho apaixonado

Quando encontrar alguém e esse alguém fizer
seu coração parar de funcionar por alguns segundos,
preste atenção: pode ser a pessoa
mais importante da sua vida.

Se os olhares se cruzarem e, neste momento,
houver o mesmo brilho intenso entre eles,
fique alerta: pode ser a pessoa que você está
esperando desde o dia em que nasceu.

Se o toque dos lábios for intenso, se o beijo
for apaixonante, e os olhos se encherem
d'água neste momento, perceba:
existe algo mágico entre vocês.

Se o 1º e o último pensamento do seu dia
for essa pessoa, se a vontade de ficar
juntos chegar a apertar o coração, agradeça:
Algo do céu te mandou
um presente divino : O AMOR.

Se um dia tiverem que pedir perdão um
ao outro por algum motivo e, em troca,
receber um abraço, um sorriso, um afago nos cabelos
e os gestos valerem mais que mil palavras,
entregue-se: vocês foram feitos um pro outro.

Se por algum motivo você estiver triste,
se a vida te deu uma rasteira e a outra pessoa
sofrer o seu sofrimento, chorar as suas
lágrimas e enxugá-las com ternura, que
coisa maravilhosa: você poderá contar
com ela em qualquer momento de sua vida.

Se você conseguir, em pensamento, sentir
o cheiro da pessoa como
se ela estivesse ali do seu lado...

Se você achar a pessoa maravilhosamente linda,
mesmo ela estando de pijamas velhos,
chinelos de dedo e cabelos emaranhados...

Se você não consegue trabalhar direito o dia todo,
ansioso pelo encontro que está marcado para a noite...

Se você não consegue imaginar, de maneira
nenhuma, um futuro sem a pessoa ao seu lado...

Se você tiver a certeza que vai ver a outra
envelhecendo e, mesmo assim, tiver a convicção
que vai continuar sendo louco por ela...

Se você preferir fechar os olhos, antes de ver
a outra partindo: é o amor que chegou na sua vida.

Muitas pessoas apaixonam-se muitas vezes
na vida poucas amam ou encontram um amor verdadeiro.

Às vezes encontram e, por não prestarem atenção
nesses sinais, deixam o amor passar,
sem deixá-lo acontecer verdadeiramente.

É o livre-arbítrio. Por isso, preste atenção nos sinais.
Não deixe que as loucuras do dia-a-dia o deixem
cego para a melhor coisa da vida: o AMOR !!!

Carlos Drummond de Andrade


quinta-feira, 7 de maio de 2015

Para ser popular é indispensável ser medíocre.



                               Frida Kahlo

A cada bela impressão que causamos, conquistamos um inimigo. Para ser popular é indispensável ser medíocre.”

Oscar Wilde

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Provavelmente noutro tempo


Provavelmente noutro tempo, noutras circunstâncias
chegaríamos a iguais resultados
pelo que de nada adianta imaginar um almagesto
ou tabelas de paralaxe para isto
a que convencionalmente chamamos amor,
nem calcular o ângulo
entre nós e o centro da terra,
de nada nos aproveitara, tu e eu
centros escorraçados de irregular gravitação.
Porém, isso não me impediu de ver plêiades
cada vez que surgias (só
não te dizia nada) plêiades iluminando
meu Hades
com suas cabrinhas coruscantes
pascendo
o vale da sombra da morte.
E a questão hoje é: who’s gonna drive you home tonight?
quando o melancólico transístor
destila também outras perguntas, mas nenhuma
tão dura quanto essa,
por exemplo: porque é que a água tem mais tendência
a subir em tubos estreitos
ao contrário do mercúrio?
Isto é view-master e são coisas que faço
na tua ausência.

Daniel Jonas, in 'Os Fantasmas Inquilinos'

O amor lança fora o medo

Photo: Toshiko Okanoue "O amor lança fora o medo; mas, inversamente, o medo lança fora o amor. E não só o amor. O medo também expulsa a...