“A
liberdade é a possibilidade do isolamento. És livre se podes
afastar-te dos homens, sem que te obrigue a procurá-los a
necessidade de dinheiro, ou a necessidade gregária, ou o amor, ou a
glória, ou a curiosidade, que no silêncio e na solidão não podem
ter alimento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo. Podes
ter todas as grandezas do espírito, todas da alma: és um escravo
nobre, ou um servo inteligente: não és livre. E não está contigo
a tragédia, porque a tragédia de nasceres assim não é contigo,
mas do Destino para si somente. Ai de ti, porém, se a opressão da
vida, ela própria, te força a seres escravo. Ai de ti se, tendo
nascido liberto, capaz de te bastares e de te separares, a penúria
te força a conviveres. Essa, sim, é a tua tragédia, e a que trazes
contigo.
Nascer liberto é a maior grandeza do homem, o que
faz o ermitão humilde superior aos reis, e aos deuses mesmo, que se
bastam pela força, mas não pelo desprezo dela.”
Bernardo Soares, in Livro do Desassossego
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