John Bauer
"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos
doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que
eu os ouvisse
Quando me dizem: "Vem por aqui!"
Eu
olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e
cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A
minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar
ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que
rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por
onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber
nenhum de vós responde
Por que me repetis: "Vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos
ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por
aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas
virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O
mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e
coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas
vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é
fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as
torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes
pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos,
e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um
facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e
cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais
ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que
nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o
Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça
definições!
Ninguém me diga: "Vem por aqui"!
A
minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se
alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por
onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!
José Régio
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Régio viveu para sonhos de arte e beleza - apenas uma forma, entre muitas, de percorrer a sua estrada.
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