sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Irei pelas ruas até cair morta de cansaço

Irei pelas ruas até cair morta de cansaço
saberei viver sozinha e reter nos olhos
cada rosto que passa e continuar a ser a mesma.
Esta frescura que sobe e me busca as veias
é um despertar que em manhã nenhuma sentira
tão real: sinto-me simplesmente mais forte
que o meu corpo e um arrepio mais frio acompanha a manhã.

Longe vão as manhãs em que tinha vinte anos.
E amanhã, vinte e um: amanhã sairei para a rua,
lembro-me de cada pedra da rua e das nesgas de céu.
A partir de amanhã as pessoas ver-me-ão outra vez
de pé e caminharei direita e poderei parar
e mirar-me nas montras. Nas manhãs do passado,
era jovem e não sabia, nem sabia sequer
que era eu que passava — uma mulher, dona
de si mesma. A rapariguinha magra que fui
despertou dum pranto que durou anos:
agora é como se esse pranto nunca tivesse existido.

E desejo só cores. As cores não choram,
são como um despertar: amanhã as cores
voltarão. Cada mulher sairá para a rua,
cada corpo uma cor — e até as crianças.
Este corpo vestido de vermelho claro
após tanta palidez voltará à vida.
Sentirei à minha volta deslizarem os olhares
e saberei que sou eu: olhando à volta,
ver-me-ei no meio da multidão. Em cada nova manhã,
sairei para a rua em busca das cores.


(Cesare Pavese "Trabalhar Cansa", Cotovia, trad. de Carlos Leite)   

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