Flor Garduño
"Florentino
Ariza se lembrou de uma frase que ouvira menino do médico da família, seu
padrinho, a propósito da sua prisão de ventre crônica: "O mundo está
dividido entre os que cagam bem e os que cagam mal." Sobre esse dogma o
médico elaborara toda uma teoria do caráter, que considerava mais certeira do
que a astrologia. Mas com as lições dos anos, Florentino Ariza a formulou de
outro modo: "O mundo está dividido entre os que trepam e os que não
trepam." Desconfiava dos últimos: quando saíam dos trilhos, era para eles
tão insólito que alardeavam o amor como se tivessem acabado de inventá-lo. Os
que o faziam amiúde, em compensação, viviam só para isso. Sentiam-se tão bem
que se comportavam como sepulcros lacrados, por saberem que da discrição
dependia sua vida. Nunca falavam de suas proezas, não confiavam em ninguém,
bancavam os distraídos até o ponto de ganharem fama de impotentes, de frígidos,
e sobretudo de maricas tímidos, como era o caso de Florentino Ariza. Mas se
compraziam no equívoco, porque o equívoco também os protegia. Eram uma loja
maçônica hermética, cujos sócios se reconheciam entre si no mundo inteiro, sem
necessidade de um idioma em comum. Daí o fato de Florentino Ariza não se
surpreender com a resposta da moça: era um dos seus, e portanto sabia que ele
sabia que ela sabia."
Trecho
de “O amor em tempos de cólera” – Gabriel Garcia Marquez