Hugues de Wurstemberger
Sob o sol em meu leito após a água -
Sob o sol e sob o reflexo enorme do sol sobre o mar,
Sob a janela,
Sob os reflexos e os reflexos dos reflexos
Do sol e dos sóis sobre o mar
Nos vidros,
Após o banho, o café, as ideias,
Nu sob o sol em meu leito todo iluminado
Nu - só - louco -
Eu!
Paul Valéry
quarta-feira, 6 de abril de 2016
quarta-feira, 16 de março de 2016
À une raison
Allen Birnbach
Un coup de
ton doigt sur le tambour décharge tous les sons et commence la
nouvelle harmonie.
Un pas de toi c’est la levée de nouveaux hommes et leur
en-marche.
Ta tête se détourne: le nouvel amour! Ta tête se retourne, –
le nouvel amour!
Arthur
Rimbaud, Illuminations e Une saison en enfer.
«Um toque do teu dedo no tambor dispara todos os sons e
começa a
nova harmonia.
Um passo teu é a sublevação dos novos homens e a sua arrancada.
Viras a cabeça: o novo amor! Voltas a cabeça, – o novo
amor!»
terça-feira, 1 de março de 2016
Princípio do dia
Robert & Shana ParkeHarrison
Rompe-me o sono um latir de cães
na madrugada. Acordo na antemanhã
de gritos desconexos e sacudo
de mim os restos da noite
e a cinza dos cigarros fumados
na véspera.
Digo adeus à noite sem saudade,
digo bom-dia ao novo dia.
Na mesa o retrato ganha contorno,
digo-lhe bom-dia
e sei que intimamente ele responde.
Saio para a rua
e vou dizendo bom-dia em surdina
às coisas e pessoas por que passo.
No escritório digo bom-dia.
Dizem-me bom-dia como quem fecha
uma janela sobre o nevoeiro,
palavras ditas com a epiderme,
som dissonante, opaco, pesado muro
entre o sentir e o falar.
E bom dia já não é mais a ponte
que eu experimentei levantar.
Calado,
sento-me à secretária, soturno, desencantado.
(Amanhã volto a experimentar).
Rui Knopfli
segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016
Cântico negro
Robert & Shana ParkeHarrison
Rui Knopfli
Cago na juventude e na
contestação
e também me cago em Jean-Luc
Godard.
Minha alma é um gabinete
secreto
e murado à prova de som
e de Mao-Tsé-Tung. Pelas
paredes
nem uma só gravura de
Lichtenstein
ou Warhol. Nas prateleiras
entre livros bafientos e
descoloridos
não encontrareis decerto os
nomes
de Marcuse e Cohn-Bendit.
Nebulosos
volumes de qualquer filósofo
maldito, vários poetas
graves
e solenes, recrutados entre
chineses
do período T’ang,
isabelinos,
arcaicos, renascentistas,
protonotários
- esses abundam. De pop
apenas
o saltar da rolha na garrafa
de verdasco. Porque eu
teimo,
recuso e não alinho. Sou só.
Não parcialmente, mas
rigorosamente
só, anomalia desértica em plena
leiva.
Não entro na forma, não
acerto o passo,
não submeto a dureza agreste
do que escrevo
ao sabor da maioria. Prefiro
as minorias.
De alguns. De poucos. De um
só se necessário
for. Tenho a esperança
porém; um dia
compreendereis o significado
profundo da minha
originalidade: I am really the UndergroundRui Knopfli
you are welcome to elsinore
Robert & Shana ParkeHarrison
Entre nós e as palavras há
metal fundente
entre nós e as palavras há
hélices que andam
e podem dar-nos morte violar-nos
tirar
do mais fundo de nós o mais
útil segredo
entre nós e as palavras há
perfis ardentes
espaços cheios de gente de
costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e
crianças sentadas
à espera do seu tempo e do
seu precipício
Ao longo da muralha que
habitamos
há palavras de vida há
palavras de morte
há palavras imensas, que
esperam por nós
e outras, frágeis, que
deixaram de esperar
há palavras acesas como
barcos
e há palavras homens,
palavras que guardam
o seu segredo e a sua
posição
Entre nós e as palavras,
surdamente,
as mãos e as paredes de
Elsenor
E há palavras nocturnas palavras
gemidos
palavras que nos sobem
ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras
nunca escritas
palavras impossíveis de
escrever
por não termos connosco
cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo
nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes
escrevem muito alto
muito além do azul onde
oxidados morrem
palavras maternais só sombra
só soluço
só espasmo só amor só
solidão desfeita
Entre nós e as palavras, os
emparedados
e entre nós e as palavras, o
nosso dever falar
Mário Cesariny
quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016
Amor - pois que é palavra essencial
Amor – pois que é palavra
essencial
comece
esta canção e toda a envolva.
Amor guie o meu verso, e enquanto o guia,
reúna alma e desejo, membro e vulva.
Quem ousará dizer que ele é só alma?
Quem não sente no corpo a alma expandir-se
até desabrochar em puro grito
de orgasmo, num instante de infinito?
O corpo noutro corpo entrelaçado,
fundido, dissolvido, volta à origem
dos seres, que Platão viu completados:
é um, perfeito em dois; são dois em um.
Integração na cama ou já no cosmo?
Onde termina o quarto e chega aos astros?
Que força em nossos flancos nos transporta
a essa extrema região, etérea, eterna?
Ao delicioso toque do clitóris,
já tudo se transforma, num relâmpago.
Em pequenino ponto desse corpo,
a fonte, o fogo, o mel se concentraram.
Vai a penetração rompendo nuvens
e devassando sóis tão fulgurantes
que nunca a vista humana os suportara,
mas, varado de luz, o coito segue.
E prossegue e se espraia de tal sorte
que, além de nós, além da própria vida,
como ativa abstração que se faz carne,
a ideia de gozar está gozando.
E num sofrer de gozo entre palavras,
menos que isto, sons, arquejos, ais,
um só espasmo em nós atinge o clímax:
é quando o amor morre de amor, divino.
Quantas vezes morremos um no outro,
no húmido subterrâneo da vagina,
nessa morte mais suave do que o sono:
a pausa dos sentidos, satisfeita.
Então a paz se instaura. A paz dos deuses,
estendidos na cama, qual estátuas
vestidas de suor, agradecendo
o que a um deus acrescenta o amor terrestre.
Carlos
Drummond de AndradeAmor guie o meu verso, e enquanto o guia,
reúna alma e desejo, membro e vulva.
Quem ousará dizer que ele é só alma?
Quem não sente no corpo a alma expandir-se
até desabrochar em puro grito
de orgasmo, num instante de infinito?
O corpo noutro corpo entrelaçado,
fundido, dissolvido, volta à origem
dos seres, que Platão viu completados:
é um, perfeito em dois; são dois em um.
Integração na cama ou já no cosmo?
Onde termina o quarto e chega aos astros?
Que força em nossos flancos nos transporta
a essa extrema região, etérea, eterna?
Ao delicioso toque do clitóris,
já tudo se transforma, num relâmpago.
Em pequenino ponto desse corpo,
a fonte, o fogo, o mel se concentraram.
Vai a penetração rompendo nuvens
e devassando sóis tão fulgurantes
que nunca a vista humana os suportara,
mas, varado de luz, o coito segue.
E prossegue e se espraia de tal sorte
que, além de nós, além da própria vida,
como ativa abstração que se faz carne,
a ideia de gozar está gozando.
E num sofrer de gozo entre palavras,
menos que isto, sons, arquejos, ais,
um só espasmo em nós atinge o clímax:
é quando o amor morre de amor, divino.
Quantas vezes morremos um no outro,
no húmido subterrâneo da vagina,
nessa morte mais suave do que o sono:
a pausa dos sentidos, satisfeita.
Então a paz se instaura. A paz dos deuses,
estendidos na cama, qual estátuas
vestidas de suor, agradecendo
o que a um deus acrescenta o amor terrestre.
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