O famoso poeta espanhol Federico
García Lorca recita o seu último poema, mesmo antes da sua execução, durante a
guerra civil de Espanha em Agosto de 1936, por um pelotão de fuzilamento
fascista.
“Mariana,
Que é o homem
sem liberdade?
Sem essa luz
harmoniosa e fixa que se sente por dentro?
Como poderia
te querer não sendo livre, diz-me?
Como te dar
este firme coração se não é meu? Não temas;
Como te dar
este firme coração, se não é meu?”
Mariana Pineda
foi escrita em 1925. Ela e Federico viveram em épocas onde se produziam grandes
mudanças. Ambos amaram Granada e nela viveram, onde acabaram por morrer, inocentes e executados
pela ditadura de franco.
Os que trabalham têm medo de perder o trabalho, os que não trabalham têm medo de nunca encontrar o trabalho.
Quem não tem medo da fome tem medo da comida. Os automobilistas têm medo de caminhar e os pedestres têm medo de ser atropelados. A democracia tem medo de recordar e a linguagem tem medo de dizer. Os civis têm medo dos militares e os militares têm medo da falta de armas. As armas têm medo da falta de guerras. Medo da mulher à violência do homem, medo do homem das mulheres sem medo. Medo dos ladrões, medo da polícia. Medo da porta sem fechadura, do tempo sem relógio, das crianças sem televisão. Medo da noite sem comprimidos para dormir, medo de dia sem comprimidos para acordar. Medo da multidão, medo da solidão. Medo do que foi e do que pode ser. Medo de morrer, medo de viver.
a
última bilha de gás durou dois meses e três dias,
com o gás
dos últimos dias podia ter-me suicidado, mas eis que se foram os
três dias e estou aqui e só tenho a dizer que não sei como
arranjar dinheiro para outra
[bilha, se
vendessem o gás a retalho comprava apenas o gás da morte, e
mesmo assim tinha de comprá-lo fiado, não sei o que vai ser da
minha vida, tão cara, Deus meu, que está a morte, porque já
me não fiam nada onde comprava tudo, mesmo coisas rápidas, se
eu fosse judeu e se com um pouco de jeito isto por aqui acabasse
[nazi, já
seria mais fácil, como diria o outro: a minha vida longa por
muito pouco, uma bilha de gás, a minha vida quotidiana e a
eternidade que já ouvi dizer que a [habita
e move,
não
me queixo de nada no mundo senão do preço das bilhas de gás, ou
então de já mas não venderem fiado e a pagar um dia a conta
toda por junto: corpo e alma e bilhas de gás na eternidade - e
dizem-me que há tanto gás por esse mundo fora, países inteiros
cheios de gás por baixo!
porque já sei que não há
entendimento, quero encontrar uma voz paupérrima,para
nada atmosférico de mim mesmo: um aceno de mão rasa abaixo
do motor da cabeça, tanto
a noite caminhando quanto a manhã que irrompe, uma
e outra só acham a
poeira do mundo: antes
fosse a montanha ou o abismo — estou
farto de tanto vazio à volta de nada, porque
não é língua onde se morra, esta
cabeça não é minha, dizia o amigo do amigo, que me disse, esta
morte não me pertence, este
mundo não é o outro mundo que a outra cabeça urdia como
se urdem os subúrbios do inferno num
poema rápido tão rápido que não doa e
passa-se numa sala com livros, flores e tudo, e
não é justo, merda! quero
criar uma língua tão restrita que só eu saiba, e
falar nela de tudo o que não faz sentido nem
se pode traduzir no pânico de outras línguas, e
estes livros, estas flores, quem me dera tocá-las numa vertigem como
quem fabrica uma festa, um teorema, um absurdo, ah!
um poema feito sobretudo de fogo forte e silêncio
Arrancai o ranço do coração! As ruas
são nossos pincéis e paletas as nossas praças. No livro do
tempo ainda não foram cantadas as mil páginas da
revolução. Para a rua, futuristas, tambores e poetas!
esperando pela morte como um gato que vai pular na cama sinto muita pena de minha mulher ela vai ver este corpo rijo e branco vai sacudi-lo talvez sacudi-lo de novo: hank! e hank não vai responder não é minha morte que me preocupa, é minha mulher deixada sozinha com este monte de coisa nenhuma. no entanto eu quero que ela saiba que dormir todas as noites a seu lado e mesmo as discussões mais banais eram coisas realmente esplêndidas e as palavras difíceis que sempre tive medo de dizer podem agora ser ditas: eu te amo. (Tradução: Jorge Wanderley) Charles Bukowski
é muito fácil parecer moderno enquanto se é o maior idiota jamais nascido; eu sei; eu joguei fora um material horrível mas não tão horrível como o que leio nas revistas; eu tenho uma honestidade interior nascida de putas e hospitais que não me deixará fingir que sou uma coisa que não sou — o que seria um duplo fracasso: o fracasso de uma pessoa na poesia e o fracasso de uma pessoa na vida. e quando você falha na poesia você erra a vida, e quando você falha na vida você nunca nasceu não importa o nome que sua mãe lhe deu. as arquibancadas estão cheias de mortos aclamando um vencedor esperando um número que os carregue de volta para a vida, mas não é tão fácil assim— tal como no poema se você está morto você podia também ser enterrado e jogar fora a máquina de escrever e parar de se enganar com poemas cavalos mulheres a vida: você está entulhando a saída — portanto saia logo e desista das poucas preciosas páginas. (Tradução: Jorge Wanderley) Charles Bukowski
sabor longínquo, sabor acre da infância a
canivete repartida no largo semicírculo da amizade. Sabor
lento, alegria reconstituída no instante desprevenido, na
maré-baixa, no minuto da suprema humilhação. Sabor
insinuante que retorna devagar ao palato amargo, à boca
ardida, à crista do tempo, ao meio da vida.
Feliz só será A alma que amar. Estar alegre E triste, Perder-se a pensar, Desejar E recear Suspensa em penar, Saltar de prazer, De aflição morrer — Feliz só será A alma que amar.
A dor, forte e imprevista, Ferindo-me, imprevista, De branca e de imprevista Foi um deslumbramento, Que me endoidou a vista, Fez-me perder a vista, Fez-me fugir a vista, Num doce esvaimento. Como um deserto imenso, Branco deserto imenso, Resplandecente e imenso, Fez-se em redor de mim. Todo o meu ser, suspenso, Não sinto já, não penso, Pairo na luz, suspenso... Que delícia sem fim! Na inundação da luz Banhando os céus a flux, No êxtase da luz, Vejo passar, desfila (Seus pobres corpos nus Que a distancia reduz, Amesquinha e reduz No fundo da pupila) Na areia imensa e plana Ao longe a caravana Sem fim, a caravana Na linha do horizonte Da enorme dor humana, Da insigne dor humana... A inútil dor humana! Marcha, curvada a fronte. Até o chão, curvados, Exaustos e curvados, Vão um a um, curvados, Escravos condenados, No poente recortados, Em negro recortados, Magros, mesquinhos, vis. A cada golpe tremem Os que de medo tremem, E as pálpebras me tremem Quando o açoite vibra. Estala! e apenas gemem, Palidamente gemem, A cada golpe gemem, Que os desequilibra. Sob o açoite caem, A cada golpe caem, Erguem-se logo. Caem, Soergue-os o terror... Até que enfim desmaiem, Por uma vez desmaiem! Ei-los que enfim se esvaem, Vencida, enfim, a dor... E ali fiquem serenos, De costas e serenos. Beije-os a luz, serenos, Nas amplas frontes calmas. Ó céus claros e amenos, Doces jardins amenos, Onde se sofre menos, Onde dormem as almas! A dor, deserto imenso, Branco deserto imenso, Resplandecente e imenso, Foi um deslumbramento. Todo o meu ser suspenso, Não sinto já, não penso, Pairo na luz, suspenso Num doce esvaimento. Ó morte, vem depressa, Acorda, vem depressa, Acode-me depressa, Vem-me enxugar o suor, Que o estertor começa. É cumprir a promessa. Já o sonho começa... Tudo vermelho em flor... Camilo Pessanha, in 'Clepsidra'
Uma pequenina luz bruxuleantenão na distância brilhando no extremo da estradaaqui no meio de nós e a multidão em voltaune toute petite lumièrejust a little lightuna picolla... em todas as línguas do mundouma pequena luz bruxuleantebrilhando incerta mas brilhandoaqui no meio de nósentre o bafo quente da multidãoa ventania dos cerros e a brisa dos marese o sopro azedo dos que a não vêemsó a adivinham e raivosamente assopram.Uma pequena luzque vacila exactaque bruxuleia firmeque não ilumina apenas brilha.Chamaram-lhe voz ouviram-na e é muda.Muda como a exactidão como a firmezacomo a justiça.Brilhando indeflectível.Silenciosa não crepitanão consome não custa dinheiro.Não é ela que custa dinheiro.Não aquece também os que de frio se juntam.Não ilumina também os rostos que se curvam.Apenas brilha bruxuleia ondeiaindefectível próxima dourada.Tudo é incerto ou falso ou violento: brilha.Tudo é terror vaidade orgulho teimosia: brilha.Tudo é pensamento realidade sensação saber: brilha.Tudo é treva ou claridade contra a mesma treva: brilha.Desde sempre ou desde nunca para sempre ou não:brilha.Uma pequenina luz bruxuleante e mudacomo a exactidão como a firmezacomo a justiça.Apenas como elas.Mas brilha.Não na distância. Aquino meio de nós.Brilha.