“Não
comungo, não comunguei nunca, não poderei, suponho, alguma vez
comungar aquele conceito bastardo pelo qual somos, como almas,
consequências de uma coisa material chamada cérebro, que existe,
por nascença, dentro de outra coisa material chamada crânio. Não
posso ser materialista, que é o que, creio, se chama àquele
conceito, porque não posso estabelecer uma relação nítida - uma
relação visual, direi - entre uma massa visível de matéria
cinzenta, ou de outra cor qualquer, e esta coisa eu que por detrás
do meu olhar vê os céus e os pensa, e imagina céus que não
existem.”
(...)
(...)
“E
neste momento, de repente, lembra-me com que melhor nobreza um dos
grandes prosadores diria isto. Desenrolaria, período a período, a
mágoa anónima do mundo; aos seus olhos imaginadores de parágrafos
surgiriam, diversos, os dramas humanos que há na terra, e através
do latejar das fontes febris erguer-se-ia no papel toda uma
metafísica da desgraça. Eu, porém, não tenho nobreza estilística.
Dói-me a cabeça porque me dói a cabeça. Dói-me o universo porque
a cabeça me dói.”
Bernardo
Soares
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