“Perco-me,
às vezes, numa imaginação fútil de que espécie de gente serei
para os que me vêem, como é a minha voz, que tipo de figura deixo
escrita na memória involuntária dos outros, de que maneira os meus
gestos, as minhas palavras, a minha vida aparente, se gravam nas
retinas da interpretação alheia. Não consegui nunca ver-me de
fora. Não há espelho que nos dê a nós como foras, porque não há
espelho que nos tire de nós mesmos. Era preciso outra alma, outra
colocação do olhar e do pensar. Se eu fosse actor prolongado de
cinema, ou gravasse em discos audíveis a minha voz alta, estou certo
que do mesmo modo ficaria longe de saber o que sou do lado de lá,
pois, queira o que queira, grave-se o que de mim se grave, estou
sempre aqui dentro, na quinta de muros altos da minha consciência de
mim.”
Bernardo
Soares, in Livro do Desassossego
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